A cidade de Coimbra, sempre se apresentou como “capital da saúde” e vem assistindo à morte lenta de um dos seus hospitais gerais, popularmente conhecido por Covões.
Alguns dos seus serviços de referência, como Cardiologia, Pneumologia e Laboratório de hemodinâmica foram encerrados, os Cuidados Intensivos desqualificados e as Urgências, anteriormente amputadas nos seus períodos de atendimento, foram episodicamente reativadas por causa da covid-19.
Mas o problema está longe de ser apenas uma nova questão coimbrã, agora entre hospitais gerais, para se tornar em algo que tem sobretudo que ver com as políticas públicas de saúde.
Enquanto hospitais gerais, as suas esferas de ação tinham (e têm) impacto sobre os seis distritos da região centro, uma vez que todos os hospitais distritais, em caso de necessidade, drenavam os respetivos doentes para as duas unidades de Coimbra, sendo as mesmas tratadas com cuidados e dignidade, situação que não se passa nos Hospitais da Universidade, vulgo, CHUC. A transformação das urgências dos Covões e a transferência de serviços para os CHUC, apenas levou ao aumento de 25% de macas para os CHUC.
Estudos internacionais conhecidos do ministério e da Administração Regional de Saúde do Centro apontam para a presença de um hospital geral por cada 800 mil habitantes.
Numa altura em que se devia discutir a eventual abertura de uma TERCEIRA UNIDADE com tais caraterísticas, na região centro, assiste-se, paradoxalmente, ao desmembramento dos Covões, com a consequente e indesejável sobrecarga dos CHUC, já de si a rebentar pelas costuras, com a sua capacidade de resposta claramente agravada. A marcação de consultas para daqui a um e dois anos é um dos sintomas dessa saturação.
É uma das maiores atrocidades o que se pretende fazer, até pela história que o Hospital dos Covões tem ao longo de décadas na Cidade de Coimbra.
E mais atroz, porque estando votado às más decisões políticas, desmedidas de sentido e razão, acabam por em plena crise pandémica COVID-, não de forma inocente, reativar algumas alas clínicas e tornar os Covões num autêntico Covidário.
Foi o próprio Dr. Jorge F. Seabra que a 09/07/2020, em entrevista ao Jornal Campeão das Províncias o disse.
Que com o esvaziamento por parte dos CHUC dos Covões, originou um aumento desmesurado da afluência de doentes aos CHUC, originando listas de espera intermináveis. Além de que, houveram cortes sucessivos em material clínico e de apoio. Falta de material informático e não renovação de recursos humanos, necessários ao bom funcionamento hospitalar. Todos estes sintomas, originaram, DESORGANIZAÇÃO, BAIXA CAPACIDADE DE ASSISTÊNCIA, AUMENTO DE CONFLITUALIDADE E DEGRADAÇÃO DAS CONDIÇÕES LABORAIS.
No entanto, como se já referiu acima, foi com o COVID-19, que a Administração dos CHUC, redescobriram os Covões e lá instalaram o Covidário, evitando que o Hospital Central dos CHUC, ficasse sujeito em maior escala a tal epidemia. A Administração dos CHUC, decidiram que os Covões é que iriam combater a epidemia, tratando os casos mais complexos e que exigissem técnicas mais multidisciplinares e sofisticadas.
A resposta dos meios humanos dos profissionais dos Covões foi de excelência, desprovendo a Administração dos CHUC, de continuar com a famosa, desmaterialização dos Covões. Neste momento a argumentação caiu por terra, e originou que as reivindicações diversas de trabalhadores e doentes, seja justificada, e consistente. O Hospital dos Covões é um dos maiores bens da Cidade e será uma incompreensível perda e desperdício.
COIMBRA, A SAÚDE E A ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
Coimbra é uma cidade universitária há mais de sete séculos, com uma marcada importância da Saúde na sua atividade, e que ainda há uns anos era tão grande que lhe chamaram “capital da saúde”. A esse nível era dotada de dois dos Hospitais Gerais Centrais de Portugal, o Hospital da Universidade (HUC) e o Centro Hospitalar de Coimbra (CHC), referência cada um em várias áreas da Medicina e da Cirurgia, e, por isso, atraindo a Coimbra profissionais de saúde, doentes, professores, investigadores, estudantes. E foi desta cidade, com esse peso e esse reconhecimento na Saúde nacional, que dois homens conduziram diretamente a criação do Serviço Nacional de Saúde (SNS): o Dr. António Arnaud e o Professor Mário Mendes.
Mas Coimbra não conseguiu manter a riqueza que tinha. Desconsiderada por governantes, aquelas duas instituições coimbrãs sofreram um rude golpe quando foi resolvido que iriam desaparecer, engolidas por uma fusão num chamado “centro hospitalar” … mas dum hospital só! E assim surgiu o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), o qual, na prática, mais não passou a ser que o antigo HUC, mas sozinho, sem a presença na cidade do outro, o Hospital dos Covões, parte fulcral do extinto CHC. Esse, progressivamente eliminado como Hospital, desativado enquanto tal passo a passo, desaproveitada e destruída a sua capacidade instalada, foi transformado numa espécie de nada, que é o que é uma estrutura que vai servindo de muleta ao outro Hospital que, assoberbado com muito mais trabalho e utentes do que tinha, se esforça com dificuldade por cumprir a obrigação que era de dois hospitais centrais públicos. E, por isso, as dificuldades redobradas, o desencanto, os atrasos, as listas de espera, as esperas e as falhas na Urgência, os exames, as consultas e as cirurgias realizados quando podem ser e fora do Hospital… E “inaugurações” nos Covões do que já lá funcionava há muitos anos mais não é que sinal de encerramento dessa atividade no HUC! Quer dizer, redução dos serviços públicos em matéria de cuidados de saúde hospitalares oferecidos aos utentes de Coimbra e da Região Centro.
Essa progressiva desativação do polo de saúde do Hospital dos Covões, na margem oposta à do HUC, fora do centro da cidade, com espaço para crescer e acessos fáceis, fez concentrar a Saúde no polo HUC, ele próprio também perto doutro Hospital, esse especializado, o IPO. E assim se concentrou tudo em Celas, no meio de Coimbra, com as dificuldades acrescidas de acesso e de estacionamento que se reconhecem há muito tempo. Com o ainda maior agravamento pela projetada construção duma maternidade em cima do espaço esgotado do HUC! Em vez de se manter o que Bissaya Barreto tinha concebido, e conseguido, para a cidade, isto é, dois polos de saúde, um em cada margem, um deles na periferia, que é por onde as cidades crescem, fez-se convergir tudo para um ponto central e sem capacidade de expansão. Como se a real e canhestra intenção fosse atrofiar o que durante anos notabilizou Coimbra no plano nacional, com reconhecimento internacional: a sua atividade em Saúde.
E é o que temos. Mas em 2020, face a esta evolução desastrosa dos cuidados de saúde hospitalares da cidade, surgiu uma Petição “Pela devolução da autonomia ao Hospital dos Covões como Hospital Geral Central – Porque o acesso de todos à saúde em Coimbra e na Região Centro é um direito e um dever”, dirigida à Assembleia da República, que a recebeu. Foi discutida e avaliada pela Comissão Parlamentar de Saúde, para o que foram ouvidos dois dos peticionários (por duas vezes), os três presidentes do conselho de administração do CHUC desde a sua criação em 2012, a presidente da ARS Centro e os dois últimos ministros da saúde. Foi depois elaborado pelo relator dessa Comissão um relatório, aprovado por unanimidade, dando razão total ao peticionado, relatório esse que foi apresentado publicamente no jardim do Hospital dos Covões, porque a sua apresentação no auditório do Hospital foi negada pelo atual conselho de administração do CHUC.
E ficou-se à espera da sua apresentação e votação em plenário da Assembleia da República. Que vai finalmente ter lugar no dia 30 de novembro de 2022. Dois anos e meio depois.
Veremos o que a Assembleia da República, agora com uma maioria absoluta dum partido, pensa e decide sobre a Saúde em Coimbra. Quando é cada vez mais evidente que o caminho certo da Saúde em Coimbra e na Região Centro é o contrário do que foi tomado, e é o que a Petição a votar solicita, AUTONOMIA PARA O HOSPITAL DOS COVÕES COMO HOSPITAL GERAL CENTRAL, porque o acesso de todos à saúde em Coimbra e na Região Centro é um direito e um dever:
“Desde a criação do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) pela junção do Centro Hospitalar de Coimbra (onde se engloba o Hospital dos Covões) com o Hospital da Universidade de Coimbra (HUC), que se tem assistido não a uma fusão mas a uma destruição de um hospital central. Sem qualquer razão assistencial, social, urbanística, científica, ou outra razão aceitável, o Hospital dos Covões tem sido progressivamente desprovido de recursos humanos e recursos materiais, despido de serviços médicos, reduzindo significativamente a capacidade de prestar cuidados de saúde com a qualidade que habituou a população. A centralização de cuidados e serviços médicos não foi solução, apenas trouxe dificuldade no acesso (listas de espera enormes), o “amontoar” de doentes num só hospital sem aparente capacidade de resposta, a redução da qualidade e um risco acrescido para os doentes e profissionais.
Se o Hospital dos Covões já tivesse sido encerrado, o colapso da saúde em Coimbra teria sido muito maior do que foi nesta era COVID. Sim, foi o Hospital dos Covões o epicentro do combate à pandemia em Coimbra. É preciso aprender com os erros de gestão em saúde do passado, para que o presente não se repita no futuro.
É imperativo reverter a “pseudo” fusão do Hospital dos Covões com o HUC, restabelecendo a autonomia e a capacidade que estava há anos instalada naquele hospital central e que resolvia todos os problemas de saúde da população que a ele recorria. Os trabalhadores do Hospital dos Covões estão tristes, desmotivados e revoltados pelo reiterado assédio moral a uma instituição com 47 anos de existência, que é acarinhada por profissionais e doentes. Insistir na continuação desta fusão é continuar a insistir na negligencia de gestão em saúde que se assiste em Coimbra há anos, e num crime contra o direito constitucional do acesso a cuidados de saúde. É um dever do poder político assegurar que todos os portugueses tenham acesso a cuidados de saúde de qualidade e atempados num serviço público. Um Hospital dos Covões a funcionar em pleno é essencial para se cumprir esse dever, continuar a destruí-lo é um crime que lesa a pátria.
Por tudo isto e muito mais: Dizemos SIM ao Hospital dos Covões!”
Paulo Seco
(Presidente da Distrital de Coimbra)