Eu sou a Maria, tenho 2 filhos menores e tinha 45 anos quando em junho de 2021, ao fazer uma biopsia ao útero, recebi o pior telefonema da minha vida. Alguém do outro lado da linha e com uma voz trémola, informava-me que o resultado era POSITIVO, um TUMOR MALIGNO, dos piorzinhos possíveis e que evoluem muito rapidamente, podendo eventualmente ter ramificações e metástases junto a diversos órgãos.
Era um dia de sol, tinha ficado em casa de férias com o meu marido e a minha filhota, e tinha decido ir almoçar com o meu filho que andava na escola primária. Mesmo com ambos a brincar, as minhas lágrimas teimavam em cair, tentei segurar-me o mais possível… era impossível ter calma, foi como se o mundo parasse naquele momento para toda a minha família.
Não me saía da cabeça a ideia de perder tudo o que tinha, deixei de dormir, e só olhava à minha volta, pensando muitas das vezes, o que é que seria de mim e da minha família daí para a frente.
Continuei a trabalhar, fui submetida a uma ressonância magnética para saber a localização exata do tumor, mas tive de esperar até julho/2021, para saber na cirurgia se estava metastizada ou não.
Dois dias antes da cirurgia, tive uma consulta de preparação no CHUC, foi horrível, colocaram-me 2 questões:
– A primeira, se eu sabia que iria ser “aberta de alto a baixo” e iria ficar com uma grande cicatriz, ao que respondi que tinha cicatrizes interiores bem piores e que não se viam.
– A segunda, se tinha consciência que me iria cair o cabelo, ao que eu respondi “se cair também vai ter de nascer”. Não posso considerar que, esta tenha sido uma consulta de preparação…
Foi perto da altura da cirurgia que contei no meu serviço e à minha família, toda esta situação, embora tivesse ligado ao meu cunhado a contar e a pedir, que se acontecesse alguma coisa na cirurgia e não voltasse, que ajudasse o meu marido com os meus filhos.
Antes de ir para o CHUC, para dar entrada no bloco, despedi-me do meu marido e dos meus filhos, mas sem eles notarem a minha tristeza, dizendo que era rápido e que depressa, eu estaria de regresso a casa. Deixei uma prendinha para cada um e o armário das roupas identificado para facilitar a vida caseira ao meu marido, partido do pressuposto que não voltaria mais.
Após a cirurgia, fiquei de cama com fralda e sonda, sem sentir os membros inferiores, não tinha forças para me sentar.
Todo esta envolvência da operação, fez-me ficar com uma bolha de ar na coluna por causa da epidural, a perna esquerda com lesão do nervo femoral. Pelo Divino Espírito Santo, lá consegui ao 6.º dia começar a sentar-me. Foi-me questionado se queria ir para casa, ao que eu disse que não, sem ser vista por um médico de fisioterapia.
Assim foi, o médico de fisioterapia que apareceu disse, que embora tivesse pouca mobilidade poderia ter alta recorrendo á fisioterapia.
Fui ajudada a vestir e a calçar por uma auxiliar, porque não me segurava direito em pé, e não conseguia andar, apenas arrastando com bastante dificuldade os pés.
Recorrendo a tratamentos a título particular, lá recuperei alguma da minha mobilidade, através dechoques elétricos na coluna e na perna esquerda.
Em Agosto ligaram-me do CHUC para começar a Radioterapia em Setembro, no entanto, após a consulta, foi-me informado que afinal houve reunião e eu iria ser vista de 3 em 3 meses.
Como consequência da cirurgia, comecei a ter problemas de equilíbrio, tendo a médica que me operou, informado que tinha de me adaptar às minhas limitações. Caso caísse, que arranjasse uma bengala e aprendesse a viver como quem vive com uma perna amputada. Pensei eu, “Ó desgraça de vida… que mal fiz eu e que mais irei passar…”
As lágrimas teimaram em cair porque não é fácil, de um dia para o outro, acordar e ter limitações, muitas limitações físicas… temos de ter direito a um período de aceitação, o que não aconteceu.
Em outubro/2021, a minha bexiga parou de funcionar, fui submetida em novembro/2021 a uma uro dinâmica, tendo sido diagnosticada, uma bexiga neurogénica hipotónica.
Passei a ficar em casa com sondas e fralda.
Em janeiro/2022, fui novamente submetida a uma cirurgia, desta vez a uma hérnia inguinal direita.
Em fevereiro/2022, recorri a uma entidade externa ao SNS, para tentar saber mais uma opinião, ao que me disseram que a amostra estava em grau2 e não grau1 conforme estava no resultado, aconselhando-me a recorrer a uma clínica de urologia privada em Coimbra. Foi com a ajuda que tive nessa Clínica, que fiz um estudo de micção, exames e larguei as sondas urinárias. Bendita hora.
Posteriormente, tive de recorrer a nível particular a um Osteopata, para conseguir debelar duma vez por todas, as minhas quedas constantes, e através de algumas injeções de ozono e muitas caminhadas consegui superar alguma evolução.
Comecei também a trabalhar em abril/2022, a fazer fisioterapia pélvica no Hospital dos Covões até junho/2022.
Em julho/2022 fui a uma consulta do CHUC de fisioterapia Genit. Urológica em que a médica ficou muito indignada de eu ter largado o medicamento de homem, transalusina, e as sondas, ao que respondi que tinham sido indicações do médico particular, e não poderia estar à espera este tempo todo, sem consulta e com sondas urinárias. Mais informei que, tinha crianças pequenas e precisava de fazer pela vida para recuperar. Foi nesta consulta, que ficou marcada nova uro dinâmica para novembro/2022, porque como já referi, para a médica, era impossível a bexiga ter normalizado.
Em setembro/2022 fui chamada pelos Hospital dos Covões para começar a Fisioterapia pélvica, quando ao mesmo tempo, já tinha sido também contactada pelo CHUC, para começar Fisioterapia numa cadeira inovadora. Mas para meu espanto, o Hospital dos Covões, alertaram-me, que no meu processo estava escrito, que não me podia submeter-me a essa fisioterapia, porque não era aconselhada para doentes oncológicos.
Posteriormente e fruto das mudanças sucessivas de processos profissionais, contraí uma contratura do músculo bicípite braquial e uma tenos sinovite do tendão no braço direito, encontrando-me ainda, a recuperar o braço direto.
Em janeiro/2023, submeti-me novamente à realização do exame de uro dinâmica à bexiga, em que o resultado, deu igual ao exame feito a nível particular, ou seja, que estava recuperada a nível de bexiga. Até parece que renasci no espaço e no tempo.
Como ainda continuo com quedas e a tropeçar involuntariamente, submeti-me a título particular, novamente, a uma consulta de otorrino por causa do equilíbrio, em janeiro/2023, visto que, tinha os ouvidos, com grande inflamação. Felizmente e fruto dum tratamento objetivo e eficaz, ultrapassei mais uma etapa.
Finalmente neste momento, depois de já ter passado por psicólogos, médicos de Urologia, de Ginecologia Oncológica particulares, embora continue a ser acompanhada nos CHUC, muito honestamente, se não tivesse tido o apoio do meu marido para pagar tantas consultas particulares na busca de soluções e respostas, muito provavelmente ainda estaria em casa com fralda e sondas na cama a descansar sedada, para não dar trabalho ao CHUC.
Com isto tudo, posso dizer, que por entre altos e baixos, também fui uma sortuda por não ter feito Radioterapia nem Quimioterapia, mas andei sempre a batalhar por soluções, não dando atenção que devia ao meu marido e filhos, porque tinha sempre em mente o medo diabólico de os perder, foi por mim mas sobretudo por eles, que andei sempre à procura de respostas para melhorar.
Procurar o futuro, não esquecendo o passado, mas acima de tudo, VIVENDO O PRESENTE.
Sou a Maria, e este é o meu testemunho, neste Dia Internacional da Luta Contra o Cancro.